Em entrevista para o The Guardian, um dos principais jornais britânicos diários, o Paramore falou sobre o lançamento de This Is Why, sobre o que os fãs podem esperar do novo álbum e sobre suas convicções e relações pessoais, e como elas estarão presentes no novo ciclo da banda – que segue agora por um novo rumo, marcado por movimentos sociais e por uma guinada “mais leve” na identidade pessoal do grupo.

Confira a tradução abaixo:

Uma das bandas mais influentes dessa geração, os pioneiros do pop-punk quase foram dilacerados durante sua luta contra o sexismo da indústria. Agora, depois de quatro anos de autorreflexão, eles estão de volta – e prontos para responderem a um ‘louco’ momento dos EUA.

Os três membros do Paramore estão sentindo a idade. Recentemente, eles gravaram um clipe para o single do comeback, This Is Why, e a música irregular e impetuosa causou estragos em suas articulações. “Nem é um clipe com performance tão pesada, e eu ainda estou dolorida,” diz a vocalista Hayley Williams, 33. Enquanto vão aparecendo no Zoom, direto da casa alugada de Los Angeles nessa manhã de setembro, a banda está quase que em seu primeiro dia de trabalho depois de quatro anos. Logo depois que falamos, eles começam a ensaiar para a turnê de outubro. Eles têm “vinte e poucos dias” antes de voltarem à ativa, estima Williams, com o cabelo cor de pêssego escondido em um boné que diz “é tudo um sonho”. “Eu estou aterrorizada!” Eles estão se alongando: o baterista Zac Farro, 32, cujo bigode contrasta com sua timidez cativante, tem massacrado os sons mais pesados da banda. Williams aponta para o canto: “Nós arrebentamos o mini trampolim.”

Cardio é uma coisa, mas a maior preparação que o Paramore fez para o sexto álbum, também chamado This Is Why, foi abandonar completamente o grupo. A vida dentro da banda era tudo o que eles faziam desde que a formaram, ainda adolescentes, no Tennessee, 20 anos atrás. Eles rapidamente se tornaram vencedores do Grammy, superestrelas do emo e uma das bandas mais influentes de sua geração: o eufórico e raivoso som pop-punk deles está em destaque entre artistas como Willow Smith e Meet Me at the Altar, e uma geração de artistas alternativos, de Soccer Mommy a Grimes e Lil Uzi Vert, cresceram idolatrando Williams, um relâmpago em meio a uma cena misoginista.

Mas em 2018, o Paramore se afastou das performances por um tempo para aprender a se tornar ainda mais uma família, depois de uma existência famosa volátil. This Is Why é o primeiro álbum a ser feito pelas mesmas pessoas do álbum anterior. Já existiram outros oito membros do Paramore e muitas saídas dramáticas – incluindo a de Farro, em 2010, ao lado do irmão, Josh. Os desistentes usualmente mancharam Williams na saída: o nome dela era o único no contrato que ela assinou quando era adolescente, apesar dela sempre ter lutado contra a Atlantic para que o Paramore fosse visto como uma banda, e não um glorioso projeto solo. A imprensa revelava os dramas e o potencial da banda para se autodestruir. Enquanto isso, Williams e o cacheadíssimo, introvertido guitarrista Taylor York, 32, que entrou para a banda em 2007, desafiadoramente olhava para o futuro, reafirmando que a banda nunca havia estado mais forte.

Zac Farro voltou para a banda em 2017, para o After Laughter, que agora se alinhava aos ruídos das guitarras para um punk-funk efervescente. As letras reveladoras incomuns de Williams entregavam sua depressão, após o divórcio com o guitarrista do New Found Glory, Chad Gilbert. Em público, foi a primeira vez que o Paramore não fingiu que tudo era um conto de fadas. “Foi um alívio bem grande,” Williams enfatiza. “Mais do que nunca nós nos tornamos uma rede de apoio um para o outro, uma da qual precisávamos desesperadamente.”

Hoje, a doçura mútua entre eles é clara – dispostos em frente à lareira como um retrato de família, eles se olham com uma espécie de admiração afetuosa. (Williams e York confirmam os rumores de que estão namorando, mas se recusam a comentar mais.) A candura da era After Laughter se provou libertadora. Quando um dos amigos da família de York faleceu, enquanto a banda estava gravando um clipe para um single, “Eu comecei a soluçar”, ele lembra. “Eu não me lembrava de ter essa capacidade até aquele momento. Nós percebemos que nada vale a nossa saúde mental.” Eles estabeleceram um duro limite em relação às turnês do álbum. Depois disso, Williams disse, eles sabiam que precisavam de uma pausa verdadeira: “Vamos ver como é não apoiar nossas identidades no Paramore o tempo todo.”

Estar na banda desde tão novos significou que eles tiveram que crescer rapidamente, diz York: “E depois você percebe que foi às custas de outras partes da sua vida”. Durante o tempo fora, Williams criou dois álbuns solo (trabalhando com os colegas de banda no primeiro), se afundou na terapia, e nas entrevistas revelou o preço que o passado da banda cobrou dela. Farro, que admite que se rejuvenesceu durante o tempo fora da banda, continuou fazendo música com o projeto HalfNoise, e explorou fotografia e direção. York parou de beber. “Eu queria explorar algumas partes mais fundas de mim mesmo e entender porquê fazemos isso, porquê essas coisas acontecem,” diz ele. “Eu sou uma pessoa muito introvertida, e eu tenho uma paixão e uma carreira que está de acordo com ela. Quando chegou a hora de voltar com o Paramore novamente, eu pude dizer com confiança, vamos lá. Zac e Hayley precisavam saber que eu queria mesmo fazer isso.”

De volta à terra natal, em Nashville, o trio teve espaço para falar honestamente um com o outro, em seus jardins, sobre “viver no sul durante uma pandemia global, as injustiças raciais e um movimento social que se tornou maior do que nunca na América,” diz Williams. “Foi muito importante para nós estarmos em casa enquanto tanta merda maluca acontecia.” Eles conseguiram abrir espaço para uma dimensão maior de comunidade em suas vidas, também – se posicionando, marchando e trabalhando com organizações locais.

Muito do novo álbum se baseia nas conversas que o trio teve nesse período, sobre os ambientes de onde eles vieram. Eles discutiram crescer no cinturão da Bíblia. Williams se mudou de Mississippi para o Tennessee quando sua mãe fugiu do segundo marido. Ela conheceu Farro em um grupo escolar, e ele conhecia York. Anos antes, o Paramore falava abertamente sobre ser uma banda cristã, mas agora eles estão em momentos diferentes em relação à fé deles, diz Williams. “Você cresce ouvindo que uma coisa é final, e depois você descompacta isso e descobre que essa questão está emaranhada a outras merdas aleatórias.” Ela suspira: “Zac e Taylor são mais gentis em relação a isso, já eu sinto que meus dentes são como facas e que eu estou cuspindo fogo, tentando atingir o outro lado de um penhasco. É bom ser desafiada – como Taylor me lembra o tempo todo, não podemos generalizar. Eu consigo ser bastante dualista quando se trata de pessoas boas e pessoas más, e muito do álbum fala sobre perceber que as pessoas não são apenas uma coisa ou outra.”

Eles também estão tendo essas conversas com suas famílias. Em outubro de 2020, Williams expôs Josh Farro depois que ele fez comentários homofóbicos online. “Há uma razão pela qual somos só três pessoas no Paramore agora. Surpresa, inimigos, não é por minha causa,” ela tweetou, condenando suas falas.

Tem sido difícil, diz Zac sobre o relacionamento com o irmão mais velho. “Quando você é criança, você acha que vão fazer tudo juntos, e fizemos, até certo ponto. E depois não mais. Isso definitivamente afetou nosso relacionamento, mas, atualmente, acho que foi para melhor. Você não pode ficar bravo com aquela pessoa – foi um caminho que ela escolheu. Você pode escolher se vai demonstrar amor a ela. Meu coração está com ele; não quero rebaixá-lo, mas a visão de mundo de algumas pessoas não é aceitável online. Você aprende isso da maneira difícil às vezes.”

York dá sua opinião. “Essa é outra coisa que eu não sei muito bem como colocar, mas as pessoas acham que estão fazendo a coisa certa. Muitas pessoas sentem convicção; elas não se manifestam porque elas estão tentando fazer a coisa errada.”*

Williams, rindo de sua frustração, volta a falar sobre sua tendência a generalizar. “Eu não quero pensar nas pessoas como figuras com nuances. Como Donald Trump, eu não quero pensar nas merdas da geração do pai dele e do pai do pai dele – não! Eu não quero sentir nenhum tipo de graça em relação a pessoas assim. Mas eu acho que o trabalho de nossas vidas é sermos desconfortáveis o suficiente para que consigamos mover a agulha para a direção certa.”

Recentemente, a banda postou no Instagram que eles estariam doando parte do dinheiro das vendas de ingressos para instituições a favor do aborto, depois do caso Caso Roe v. Wade. A reação foi bastante negativa, apesar de Williams não se surpreender. “Parte de mim acha que isso foi uma coisa boa, porque se estivéssemos apenas reproduzindo as mesmas ideias para as mesmas pessoas, seria um eco vazio. Mas se conseguirmos fazer alguém pensar um pouco mais sobre igualdade e sobre a necessidade das pessoas terem acesso à assistência médica – porque é isso que um aborto é -, então estamos fazendo algo.”

O Paramore admite que eles mesmos tiveram que passar por essa jornada também. “Meus pais nunca disseram tipo, ‘ei, aborto é ruim!”, diz Williams. “Foi mais a atmosfera em que crescemos.”

“Zac e eu ainda estamos aprendendo muito sobre isso,” diz York. “Crescer onde crescemos, e sendo homens, éramos muito ignorantes. Quando você é uma criança você não questiona nada. Você escuta: ‘ei, você acha que é OK matar bebês?’, e isso parece simples. Nós não entendíamos as nuances. Quando chegamos a uma certa idade, especialmente quando o ex-presidente estava em ofício, as pessoas começaram a se questionar mais.”

“É por isso que nosso lar, nossa banda, é tão boa,” diz Farro, “porque temos a liberdade de processar coisas juntos.”

Ter essas “conversas doidamente complicadas que precisavam acontecer”, diz Williams, fez com que eles crescessem juntos. Mas não foi isso que eles viram quando olharam além de seu enclave artístico, para o resto de Nashville. “Passamos por todas essas merdas loucas e as pessoas ainda não são empáticas umas com as outras no mundo,” ela lamenta.

Durante o Covid, ela diz, “o turismo estava em alta. Existiam muitas ruas chamadas Robert E Lee, muitas homenagens da Guerra Civil a soldados Confederados.”

“E nenhuma máscara à vista,” diz Farro.

“Eu estava em uma ligação com uma amiga que estava no mercado, e esse cara estava super próximo dela,” diz Williams. “Ela disse: por favor, vai um pouco para trás, e ele xingou ela.”

A hostilidade e paranoia que caracterizaram os EUA na vida pós-Trump dão o tema de This Is Why. “Eu olho para a internet, para as notícias, e parece que estamos no O Senhor das Moscas,” diz Williams. “Enquanto estava escrevendo as letras, eu pensava tipo, esse experimento social – a internet – tem dado errado desde o primeiro dia.” Ela expõe e explora o flagrante desrespeito da população, em geral, pelas nuances. O segundo single deles, até o momento não anunciado, fala sobre a importância de batalhar a fatiga da compaixão (eu só pude ouvir duas músicas do novo álbum). “Alguns dias eu canso disso, quase que chegando ao ponto da apatia,” diz Williams, “mas esse é o ponto – você tem que lutar.”

A confiança criada pela banda nos jardins das casas deles conversa com o que eles levaram para o estúdio. Ainda assim, eles estavam preocupados em preservar suas boas relações. “Depois de passar uns 15 ou 20 anos brigando como uns bestas em frente ao mundo, você eventualmente aprende alguns mecanismos de enfrentamento e métodos de comunicação,” diz Williams.

“Dito isso,” adiciona York, “Eu não sou de pensar que você precisa sofrer para criar uma arte boa, mas eu entendo como você pode fazer algo que seja verdadeiramente autêntico, em um ambiente colaborativo, sem criar tensões. Estamos melhorando mais e mais em lidar com isso.”

Depois de passarem pela fase mais pop do After Laughter, a ideia original era trabalhar apenas com a guitarra, o baixo e a bateria. Depois os sintetizadores entraram, e eles começaram a relembrar a cena indie do início dos anos 2000: dance-punk, electroclash. “Pareceu uma urgência,” diz Williams. “Uma coisa importante, meio convencida. Bloc Party, Yeah Yeah Yeahs, Rapture, Glassjaw – são algumas das inspirações, pessoas que se tornaram muito além de superestrelas indie.” Novas bandas britânicas como o Wet Leg e Sorry entraram para a conta, também. No estúdio, sempre que se questionavam se estavam indo longe demais, Farro os empurrava ainda mais: “dêem ao povo as coisas boas.”

Eles estavam conscientes de se reemergirem dentro de uma cena rica da influência da banda. “Eu preferiria muito mais trabalhar para nos encontrarmos, apesar do barulho [das expectativas],” diz Williams.

Descobrir quem eles eram longe do Paramore também os ajudou a se desprenderem do passado da banda. Williams fala sobre o hit de 2007, Misery Business, que ela escreveu quando tinha 17 anos. A música contém letras vingativas sobre uma rival romântica que Williams diz que foi um reflexo da misoginia que ela absorveu da cena. Em 2018, o Paramore anunciou que eles deixariam de tocá-la ao vivo. Isso não impediu o revival da música no TikTok e a influência em Good 4 U de Olivia Rodrigo, pela qual a banda foi posteriormente creditada.

“Somente agora que vemos a banda de forma mais leve é que sinto que essa música não me define,” diz Williams. Ela prefere pensar no fato de que eles performavam a música ao vivo e que podiam convidar um fã para subir no palco com eles “e realizar um sonho por pelo menos três minutos. Isso é o que sinto que define nossa banda, não esses dramas e: ‘Hayley é uma feminista perfeita?’. Esse foi um fardo bastante pesado por muito tempo.”

Anteriormente neste ano, Williams se juntou a Billie Eilish para cantar Misery Business no Coachella. Ela tentou convencer Eilish a não fazer isso, mas depois percebeu, “isso não deveria ser sobre mim. Pessoas crescem e aprendem. E eu já tinha me martirizado muito e trabalhado muito para me desvencilhar da misoginia que metabolizei quando adolescente.”

A primeira música que eles escreveram para o novo álbum é sobre “entender que você não pode controlar a percepção de outra pessoa sobre você,” diz Williams. “Sobre como é aceitar momentos da sua vida em que você foi a pessoa ruim, ou em que você disse coisas em que não acreditava realmente – como em Misery Business -, e sobre como isso acaba por definir você para outras pessoas. O que você pode fazer além de continuar crescendo e se desafiando? O alívio que veio desse pensamento tem sido muito bom.”

É hora deles partirem para os ensaios. No dia seguinte, o Paramore retorna para seu local de práticas, todos de preto e seguidos pelo goldendoodle de Hayley, Alf. “Às vezes, o dia do retorno pode ser desmoralizante”, diz York, mas ontem foi como “se acendessem as luzes das arenas”. A ansiedade que estava presa na garganta de Williams se esvaiu, “Depois que nos aquecemos, eu fiquei tipo: ‘Ah é – é isso que eu sei fazer,” ela diz. “Nós trabalhamos muitas horas extras”.

O status do Paramore como veteranos é um choque até mesmo para eles. “Nos conhecemos numa idade maluca e não teríamos conseguido chegar até onde chegamos se não tivéssemos feito isso juntos,” diz Williams. This Is Why é o último álbum que eles são obrigados a lançar pelo contrato que Williams assinou quando era adolescente. Março marcou 20 anos desde que eles se conheceram, e eles estiveram nostálgicos o ano todo, ela diz. “Precisamos parar de palhaçada e fazer um documentário logo.”

O trio fica lisonjeiramente feliz por saber que alguém ainda se importa. Eles são tão reverenciados que isso poderia parecer uma falsa-humildade, se não fosse tão claro que eles fizeram por merecer. A animação por estarem de volta não é somente por influenciarem a música contemporânea (PinkPantheress, Demi Lovato e Yungblud são alguns de seus sucessores). É uma sensação geral de vingança: que uma banda que lutou contra a imprensa e uma cena sexistas, cuja vocalista foi detonada por ex-membros, conseguiu vencer, dentro de seus próprios termos. Seus valores inclusivos, questionadores e preocupados ajudaram a fixar novas regras para a indústria, e a única recompensa que eles estão interessados em receber é a liberdade criativa: Farro tem chamado essa de “a temporada de não resistirem”.

É uma reclamação parecida com as experimentadas por Fiona Apple ou Britney Spears, musicistas que foram menosprezadas pela mídia quando eram mulheres jovens, e mais tarde aceitas exatamente por serem quem eram, por gerações mais novas e mais esclarecidas de fãs, eu sugiro, enquanto Alf volta para sua dona. “Eu não nos colocaria na mesma categoria,” Williams diz envergonhada. “Mas é algo que compreendemos. E é maravilhoso que pudemos existir por tempo o suficiente para recebermos essa chance.” Ela balança a cabeça, feliz. “As pessoas vão cansar de nos ouvir falar disso nesse novo ciclo, mas eu simplesmente não consigo acreditar que estamos aqui.”

Tradução: Larissa Stocco, equipe Paramore Brasil.

* Original: “This is another thing I don’t even really know where to put, but people think they are doing the right thing. A lot of people feel conviction; they aren’t speaking out because they’re trying to do the wrong thing.”

Paramore Brasil
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One Reply to “The Guardian: Paramore fala sobre relações pessoais e novo rumo na carreira”

  1. meu deu foram muitas revelações nessa entrevista, ainda to tentando digerir tudo mas…. que loucura!! e alias acho sensacional a idéia do documentario hahahah

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