Depois de relembrar fatos marcantes sobre o álbum ‘Riot!’, para comemorar os dez anos do seu lançamento, chegou a hora de conferir a tradução na íntegra de um texto incrível feito por David Bendeth, o produtor do ‘Riot!’, exclusivamente para a Billboard.

No texto, Bendeth conta todos os detalhes sobre a criação desse álbum tão importante para a carreira do Paramore e relata situações, medos e momentos que até hoje nunca haviam sido revelados.
Hayley Williams ganha destaque nas palavras de David, pela determinação que demonstrou ao criar toda a temática de Riot! e pela garra ao enfrentar a indústria da música sendo apenas uma adolescente à frente de uma banda de meninos.

Esse é um grande ano para o Paramore, já que eles lançaram seu último álbum, ‘After Laughter’, em abril, o primeiro disco depois do autointitulado, de 2013. Essa semana a banda celebrou o aniversário de dez anos do ‘Riot!’, lançado em 12 de junho de 2007 e responsável por alavancar rapidamente a carreira da banda e transforma-los em estrelas do rock alternativo.

Alguns fãs mais novos do Paramore às vezes não se dão conta que o ‘Riot!’ não é o primeiro álbum da banda — eles lançaram seu primeiro disco, ‘All We Know Is Falling’, em 2005. Apesar desse álbum ter obtido vendas boas o bastante para uma nova banda na cena pop-punk, ele definitivamente não os tornou um nome forte do gênero. É aí que entra David Bendeth.

Bendeth, que já produziu diversas bandas do meio do Paramore — incluindo Hawthorne Heights, All Time Low e Breaking Benjamin — foi apresentado à banda em 2006 através de Tom Storms, o homem que assinou com o Paramore e fez o ‘All We Know Is Falling’ com eles. Ele ficou imediatamente encantado com a estética do Paramore, e depois de conhecer os seus integrantes, Bendeth e a banda se deram bem logo de cara e rapidamente começaram a trabalhar. Mal sabiam eles que o álbum que eles criaram juntos iria fazer com que o Paramore se tornasse uma das maiores e melhores bandas de rock do século 21.

Antes do 10º aniversário do ‘Riot!‘, a Billboard teve uma conversa profunda com David Bendeth, que detalhou a produção do álbum, assim como a visão da banda para o disco — como a ideia da vocalista Hayley Williams de redefinir o termo “riot” e por que no começo o produtor não acreditava que o single icônico ‘Misery Business’ fosse bom para as rádios. Confira abaixo a transcrição editada da conversa e descubra como um dos maiores álbuns da era emo-pop foi criado.

* * * * *

Era primavera de 2006. Eu estava em uma daquelas viagens onde você sai e vai conhecer pessoas nas gravadoras. Eu estava na Atlantic Records em Los Angeles e tinha sido aconselhado por Jason Flom e Andy Karp para conhecer Tom Storms, que havia assinado com a banda e feito um álbum com eles. Era o primeiro disco da banda [‘All We Know Is Falling‘, de 2005] e eu acho que ele tinha vendido 25-30 mil cópias. Ele disse: “Você deveria ouvir esse álbum porque eu acho que eles são realmente especiais”, e aí ele completou: “Mas eu tenho que te dizer, eles são extremamente jovens. O baterista tem 13 anos e a vocalista tem 16 ou 17.”

Eles estavam em turnê e, na época, estavam sendo educados em casa pela mãe da Hayley [Williams] — que é professora — em uma van, o que é bem louco.

Então, eu escutei o ‘All We Know Is Falling‘ e eu achei a Hayley sensacional. Tinha uma música nesse álbum chamada ‘Emergency’ e eu achei a canção muito boa. Eu pensei: “Quer saber? Faz muito tempo que não tem uma garota no rock.” Tinham várias meninas no pop, Britney Spears e tal, mas não existiam roqueiras [na época].

Eu tinha três modelos na minha cabeça. Um deles era Joan Jett, ‘I Love Rock n’ Roll’, o outro era No Doubt, ‘Tragic Kingdom’, e outro era um disco do The Pretenders com Chrissie Hynde, ‘Brass in Pocket’. Então, eu entrei em contato com a banda e disse: “Olha, eu gostaria muito de trabalhar com vocês,” e a gente ficou se falando por três ou quatro meses — eles me mandavam umas músicas enquanto estavam na estrada. Eles estavam compondo coisas e então eles foram até a Florida para gravar essas demos. Essas demos eram muito legais. Nós ficamos muito empolgados com o que a gente ouviu e decidimos começar o álbum em Janeiro [2006], eu acho.

O processo era interessante porque, como eu disse, o baterista tinha 13 anos. Zac [Farro] tinha talvez uns 14 anos na época, mas não mais que isso, a Hayley tinha 17, Josh [Farro] tinha 17, ou estava fazendo 18 – eles eram muito, muito jovens. Mas o processo foi incrível, porque eles eram ótimos músicos e a Hayley cantava muito, então não tinha muito trabalho quando se tratava de performances. Quando chegou a parte de escrever, a Hayley era muito prolífica, assim como o Josh, então o time, os dois juntos, era extraordinário.

Na época eles eram compositores inocentes, no sentido de que eles eram inexperientes e só tinham composto um único disco. Então, umas das coisas que nós fizemos durante o processo foi reuni-los com outros compositores e tentar coisas diferentes. Eles moravam em Nashville e eles podiam ir até Los Angeles para escrever com algumas pessoas diferentes. Mas todas essas músicas colaborativas acabaram não funcionando, porque a banda era muito específica com o que eles queriam.

Era a verdadeira juventude adolescente e rebelde tomando o controle — e eu era muito, muito favorável a isso. Eles não eram adolescentes comuns que fariam o que típicos adolescentes fazem, como sair, enlouquecer e se meter em confusão. Eles eram tão focados na música que passavam todas as horas do dia fazendo isso.

Enquanto a gente estava trabalhando no disco, a Hayley estava sentada no lounge, com uma caneta e um pedaço de papel, desenhando “riot” em laranja. E eu perguntei pra ela: “O que você está fazendo?” e ela diz: “Eu tô criando o conceito desse álbum inteiro e como vai ser a capa do disco. Tudo vai ser laranja. Meu cabelo vai ser laranja, o microfone vai ser laranja. Vai ser sobre uma revolta (“riot”).” E eu disse: “Bom, não pode ser sobre uma revolta porque isso é meio violento”, e ela fala: “É, mas é mais uma revolta musical, onde as pessoas escutam e se divertem.”

Nós discutimos [sobre o nome do álbum] por meia hora. Eu fui pegar um dicionário para dizer para ela o que “riot” significava e depois disso ela sentou comigo no sofá e disse: “Você está errado. Isso é sobre um outro tipo de revolta. Você está falando literalmente. Não faça isso. Não é isso que eu quero dizer. Não é esse tipo de revolta (riot) que eu quero dizer. Eu quero dizer uma revolta de música, de pessoas em um show. Esse tipo de revolta.” Ela disse: “Existem revoltas boas e revoltas ruins.” [Risos]

Por sorte ela fazia parte do selo Fueled by Ramen. Era interessante porque eles davam muita liberdade aos seus artistas. Apesar de ser um selo relativamente grande, não haviam restrições no que estávamos fazendo, então nós pudemos fazer, literalmente, esse álbum sozinhos, só a banda e eu. Eu mixei o álbum e eu compus músicas no disco, então nós realmente tivemos liberdade durante um período de quatro meses para fazer o que quiséssemos. Nós podíamos fazer nossas coisas e criar essas músicas, tentando chegar no limite da nossa criatividade.

Eu co-escrevi ‘Fences’ e ‘We Are Broken’ com eles e eles criaram ‘Born For This’ sozinhos. E aí ‘Crushcrushcrush’, a demo era sempre ótima, mas eu conseguia ouvir essa coisa meio dançante na música, então eles aperfeiçoaram isso. Eu acho que nós reestruturamos a primeira música do disco [‘For a Pessimist I’m Pretty Optimistic’] umas quatro ou cinco vezes antes de sequer grava-la. Era uma daquelas músicas que nós não sabíamos o que ela queria ser, mas acabou se tornando a primeira música do álbum.

‘Misery Business’ se chamava ‘Mexico’ na época e estava bem concebida. Eu acrescentei várias coisinhas diferentes na batida e no refrão. Nós desconstruimos a música na ponte e nós queríamos que ela tivesse um final grandioso. Todo mundo na banda e o cara do A&R (Artistas e Repertório) acabaram amando essa música desde o começo — e eu gostava da música, mas eu achava que ela era muito manjada e quando eu comparava com ‘Hallelujah’, ou ‘When It Rains’ ou até ‘Crush’, eu sentia que ela não era muito diferente, ela era muito pop. Eu achava que ela não iria emplacar nas rádios.

Eu mixei a música primeiro, e eu me lembro de dar um tempo, porque quando você trabalha em alguma coisa o dia inteiro, você nem sabe mais como é a música. Foi uma mixagem de dez horas, como uma grande cirurgia, onde você tira coisas e você experimenta com isso e aquilo. Eu lembro de voltar para a sala onde a banda e o cara do A&R estavam, ouvir a música finalizada e pensar: “Meu Deus. Isso é incrível.” Não que o que eu tinha feito era incrível, mas sim que o que nós tínhamos criado era incrível, e isso me impactou com a força de mil tijolos.

Hayley estava chateada com aquela menina [que é o tema de ‘Misery Business’]. Na verdade, na letra ela escreveu: “Once a whore, you’re nothing more” (“Uma vez vadia, sempre vadia”) — e eu lembro que na época ela olhou pra mim e disse: “Eu acho que eu não consigo cantar isso. Eu acho que eu não consigo nem falar isso. Isso não sou eu”, e eu falei: “Hayley, isso é você e você que escreveu. Você tem que cantar”, e ela diz: “Eu simplesmente acho que não é certo. Eu acho que é moralmente errado chamar alguém assim”. Eu disse: “Você não está [chamando alguém assim]. Você está explicando a situação”, e ela disse: “Ok, eu vou cantar. Eu não vou gostar, mas eu vou cantar”.

Hayley era a grande compositora — ela era uma grande leitora, muito letrada. Eu acho que com apenas 17 anos, ela estava à frente da maioria das pessoas, no sentido que ela conseguia articular o que ela quisesse utilizando a língua inglesa de uma forma muito honesta. Eu acho que estar lá e apoiar o que eles realmente queriam fazer foi o suficiente para que eles pudessem fazer ou dizer coisas que eles normalmente não fariam.

[Eu e a Hayley] discutíamos sobre as letras porque ela achava que, às vezes, as letras não precisavam rimar e que as coisas não precisariam fazer sentido liricamente, mas isso era porque ela tinha 17 anos e eu já tinha escrito centenas de músicas. Então, eu falava: “Você não pode fazer isso. Você não pode terminar o refrão com essa frase,” e ela falava: “Ah, eu posso sim”. E aí ela dizia: “Mas eu vou ouvir a sua ideia,” e aí eu apresentava a minha ideia pra ela e ela falava: “Ah, eu posso fazer isso”.

Nós tínhamos por volta de 40 músicas para o álbum, então a gente cortou para mais ou menos 14. Nós decidimos mixar o máximo de músicas possíveis para que a gente pudesse ter várias opções, e enquanto a gente estava produzindo o álbum, eu sabia que era diferente. Eu tinha certeza que ele era especial. Eu disse: “Eu gosto muito desse disco. Eu gosto da música. Eu gosto do que ela representa. Eu gosto das letras”. Certamente, tinha um toque romântico e uma imposição para cantoras que ninguém nunca tinha visto antes.

Nós ficamos com medo que a gravadora achasse que nós tínhamos ido longe demais em uma direção específica e que eles não tivessem certeza de onde nós estávamos indo naquele momento. Eles estavam apreensivos e nós também. O problema era que nós não sabíamos onde nós iríamos chegar com o Riot! nas rádios. Desde o começo, o plano da gravadora era transformar a Hayley em uma artista Top 40, uma artista pop como a P!nk e a Britney. Eles acharam que a gente tinha ido muito pro rock.

Mas a Hayley estava irritada. Ela não ia escrever sobre amor bobo. De jeito nenhum. Ela gostava disso, ela amava *NSYNC e Backstreet Boys e cresceu com isso, mas não era isso o que ela estava prestes a fazer. Ela não queria competir com isso. Ela queria poder ser uma espécie de artista alternativa, para que ela pudesse arriscar e, de certa forma, seguir o seu coração nas letras. Sabe, em retrospecto, olhando para a sua carreira nos últimos dez anos, ela poderia ter sido a Taylor Swift antes da Taylor Swift, mas ela se recusou a mudar pelos outros. Eu sentia que a Hayley poderia fazer qualquer coisa com aquela idade, porque ela tinha muita energia e a sua visão era clara — ela seria uma artista que ia durar.

Eles eram azarões porque ela era uma garota e, naquela época, era Fall Out Boy e Panic! at the Disco e todas essas bandas de rock de meninos. Ela dizia: “Eu espero que a gente consiga abrir caminhos com esse disco”, e eu disse: “Não se preocupe. A gente vai reforçar esse álbum. Nós vamos colocar guitarras mais pesadas aqui,” e ela disse: “Eu gosto. Eu quero que ele seja rock”. Eu tenho a impressão de que quando nós finalizamos o álbum e nós o escutamos por inteiro, nós tínhamos criado um monstro que foi construído como um tanque de guerra inglês. [Risos]. Era sólido. Você podia escuta-lo inteiro.

Por ser uma performer nata, a primeira coisa que ela [Hayley] fez imediatamente [após o lançamento] foi colocar o Riot! na estrada e eles fizeram turnês atrás de turnês. Ela cresceu com o álbum. Eu lembro que era muito difícil replicar esse álbum no começo, porque ele era repleto de partes em movimento. Mas, do meu ponto de vista — eu acho que o tempo entre a finalização do álbum e seu lançamento foi de seis a sete semanas, e eu acho que esse foi o período em que estávamos mais nervosos, porque nós não sabíamos o que ia acontecer. Mas assim que ele foi lançado e nós vimos que ‘Misery Business’, o álbum e o clipe tiveram reações positivas, todos nós soltamos um suspiro aliviados, dizendo “Ufa, graças a Deus. Todo mundo entendeu o que é isso”.

Sabe, o clipe de ‘Misery Business’ realmente ligou os pontos de quem a Hayley era. Aquele retrato, uma jovem adolescente com raiva — todas as meninas que viam aquele clipe diziam, “Ei, sou eu!” e todo mundo conseguia se identificar. Então o álbum se tornou, definitivamente, o que eu chamo de “disco divisor de águas”, no sentido que não era só sobre acreditar na música. Era sobre acreditar em um olhar.

É engraçado, quando nós começamos o disco, todas as músicas que nós achávamos que iam ser singles, nunca foram. Eu tinha certeza que ‘When It Rains’ seria um estouro nas rádios. Na verdade, o John Mayer ouviu e disse: “Se isso não for um hit, eu desisto da música”. Em algum momento durante a produção do álbum nós achávamos que ‘Hallelujah’ seria o primeiro single. Até ‘That’s What You Get‘, que eu acho que foi o terceiro single, a música era em 6/8 (tempo musical). É muito difícil fazer alguma coisa em 6/8 parecer uma música normal de Top 40. Então, eu acho que os riscos que foram tomados valeram a pena.

Na primeira semana de lançamento, eu acho que nós estávamos com um alcance de 40 mil cópias vendidas, o que é muito bom para um segundo álbum que quase ninguém conhecia. Mas depois daquela semana de natal da Billboard — o disco foi lançado em junho — eu acho que a gente chegou em 90 mil. Esse foi o momento que nós percebemos que o disco tinha força. Eu acho que em alguns meses nós já tínhamos um Disco de Ouro, e todos nós fomos até a Atlantic Records para a premiação. Eu lembro de olhar para todo mundo e todos falarem “me belisque” para o outro.

Nós fizemos o Riot! para pessoas que, naquele momento, estavam passando por muita coisa em casa; que estavam lidando com coisas na vida. Quando eu estava produzindo o álbum, eu sempre pensava naquele moleque que tava por aí, sozinho e solitário, com certeza lidando com várias m****s em casa, na escola, com amigos — dor e sofrimento, depressão. Eu sentia que esse álbum era um raio de luz, que ele iria entrar e tornar o caminho para a escola, ou qualquer lugar, muito mais divertido.

A Hayley assumiu muitos riscos na sua carreira e ela também tentou se reinventar. Certamente, ‘Ain’t It Fun’ é um ótimo exemplo. Eu fico observando discretamente do banco de trás, mas eu tenho que te dizer, eu fico muito feliz de ter feito o Riot!. Eu sinto que é um álbum que alcançou e tocou muitas pessoas. Simplesmente por sua inocência e ele não é mais inocente. E você não pode mudar isso.

Quando eu olho para trás, eu sinto, pessoalmente, como esse álbum ajudou na minha carreira e quantos produtores, mixers, engenheiros e pessoas me escreveram dizendo: “Esse álbum mudou minha vida, esse álbum mudou a música e e esse álbum permitiu que muitas outras coisas acontecessem”. Eu me sinto honrado só de fazer parte disso, de poder estar na mesma sala que todo mundo naquele momento em que nós tivemos a sorte de produzir esse álbum e provar que ele é resistente ao tempo.

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