Hayley divulgou no dia 1 de agosto, em seu website, um link para seu Substack, uma plataforma em formato de blog na qual a vocalista tem escrito artigos desde o mês de março. Na plataforma, Hayley busca retomar o contato com os fãs, assim como fazia antigamente no LiveJournal da banda – esse é, inclusive, o título de seu blog no Substack.
Em maio, ela publicou uma reflexão pessoal sobre sua fé; confira a tradução abaixo:
Jesusmania
há um certo disfarce da verdadeNão sei mais o que pensar sobre Jesus. Quando tantas pessoas horríveis, ricas, racistas e com todas as formas de “fobia” se apropriaram e corromperam os ensinamentos de um revolucionário de coração compassivo e pele não branca… em que momento jogamos fora o bebê (peço desculpas, bebê Jesus) junto com a água do batismo?Eu passei os últimos 16 anos “descontruindo” minha fé. Minha vida adulta inteira. Tantos anos depois, eu ainda não sei o que gostaria de construir nesse lugar, muito menos se ainda há algo que eu possa salvar.
Crescer no sul da América [Estados Unidos] é conhecer a construção de uma igreja (ou de várias igrejas) como um mapa de sua própria casa. Para meus amigos mais antigos e eu, a igreja era a escola também. A maior parte de nós fazia parte de uma tutela de educação domiciliar que se encontrava na mesma igreja, onde nosso grupo de jovens fazia seus próprios serviços de adoração toda tarde de quarta-feira. Melhor ainda, a sala que nossa igreja usava para a escola dominical foi a mesma sala em que minha banda tocou nosso primeiro “show” (o show de talentos da educação domiciliar). Na noite do show de talentos, ainda havia enfeites do domingo anterior pendurados na parede atrás de um palco improvisado. Um banner escrito “CRIANÇA Guiada Por Propósitos” serviu como um fundo de palco para a performance da minha vida. Lembro que, naquele ano, os líderes da nossa igreja se tornaram obcecados com um estudo da Bíblia chamado ‘A Vida Guiada Por Propósitos’, então, naturalmente, toda a igreja, inclusive as crianças de 8 anos, passaram a seguir esse currículo. Quanto à minha banda, não consigo pensar em uma história de origem menos punk. No entanto, expulsar um músico recém-saído da escola parece extremamente guiado por propósitos, não é? Vamos chamar isso de um sinal. Um sinal muito literal de deus.
Por volta dos 19 anos, meu grupo de amigos se fragmentou devido ao tópico da fé. Minha própria passagem para a vida adulta e para a juventude feminina parecia completamente em desacordo com as experiências de amadurecimento dos meus colegas cristãos, especialmente dos meus amigos homens. Foi provavelmente por aí que eu realmente comecei a reconhecer o grosso fio patriarcal do qual todas as nossas crenças fundamentais pendiam. Levaria anos para que eu aprendesse a criar uma linguagem em volta do que eu observava e mais ainda em volta do que eu sentia. Algumas amizades não sobreviveram a essas mudanças tectônicas.
Quando estávamos nos nossos 20 anos, aqueles de nós que arrumou uma forma de crescer juntos tinha uma atitude similar em relação à religião organizada e à cultura do Cristianismo. Fomos libertos de tudo isso, e a própria libertação parecia uma nova forma de religião. Enquanto alguns amigos *quietamente* decidiram que não mais se identificavam com sua criação religiosa, outros se revoltaram completamente e realmente queriam que você soubesse que eles NÃO!!! concordavam. Alguns amigos tinham saído do armário (ou foram tirados do armário à força) e ainda estavam lutando com a tensão entre a liberdade recém-descoberta e a repressão imposta por aqueles que deviam amá-los. Pensando agora, eu realmente achava que minha “desconstrução” começou quando, ainda adolescente, eu finalmente entendi que a maior parte dos Cristãos acredita que pessoas gays vão para o inferno. Nunca fez nenhum sentido para mim e eu sou grata por isso.Outra coisa que nunca fez muito sentido sobre nossa educação evangélica: a constrangedora mas onipresente mania sobre sexo, corpos e abstinência que causava nada mais do que vergonha e confusão. Como adolescentes do grupo de jovens, independentemente de nossas identidades sexuais ou status, recebemos uma educação extremamente tendenciosa sobre sexo como pecado, os corpos das mulheres como armas e o casamento heterossexual como a ilustração suprema do amor de Deus.
Desembaralhar a descrença do que talvez ainda reste é provavelmente algo eterno, não é? Aos 36, eu nunca me identifiquei como ateísta, mas eu certamente não me sinto clara sobre A Verdade. (O que é muito claro para mim é que eu sinto um nojo profundo pela ideia de ser entendida como uma Cristã evangélica na Amérikkka do Trump — por acaso, ainda estou avaliando os incômodos de continuar removendo a ousada tatuagem de cruz preta na minha coxa direita a laser.) Então o que sou eu? Apenas agnóstica? Se eu ainda acredito que há alguma força maior, tecendo significados para o(s) nosso(s) mundo(s)? Alguma coisa algum dia vai explicar a agonia de se estar na terra? Às vezes eu acho que o mundo que nós conhecemos é o “inferno”. Como se nós humanos fôssemos o inferno manifestado. Mas então, e a beleza? E então eu pego todos esses pensamentos e os escrevo em algum lugar para tirá-los do meu corpo e deixar espaço para o que quer que deus possa ser.O que está acontecendo na América no momento parece estar iniciando uma conversa mais ampla sobre o trauma religioso para muitas pessoas. Isso começou a aparecer no meu algoritmo e em diversas das minhas conversas com amigos. Quase todos os dias, eu passo por um post no qual um ex-evangélico ou Cristão “em recuperação” está desabafando sobre a ascensão do cristianismo-nacionalista, ou explicando por que Jesus e/ou Deus teriam absolutamente odiado tudo o que está acontecendo nos EUA neste momento. Esses são alguns dos tópicos gerais. Existem posts em diferentes plataformas sociais de mulheres que, desde o dia da eleição, saíram de suas igrejas e até mesmo de seus casamentos devido a mudanças em suas crenças ou sistemas. Não muito tempo atrás, eu vi uma mulher jovem no TikTok falar sobre uma estranha atração de volta ao cristianismo, aparentemente apesar da hipocrisia flagrante e da ignorância voluntária dos cristãos MAGA. Embora eu não sinta essa atração, entendo que o peso da injustiça é esmagador para a alma. Ela continuou a recontar Jesus como o infame radical que se associava aos marginalizados da sociedade, que morreu a morte de um criminoso comum (“a crucificação era apenas a pena de morte”)— não por ser cristão, como muitas vezes é dito, mas por falar a verdade ao poder. Ressuscitar sua própria fé enquanto ainda está avaliando os danos associados a ela não parece uma tarefa fácil.A cultura do Cristianismo, em particular, deixou cicatrizes em alguns dos meus amigos mais próximos para a vida toda. Ela assombrou minha vida espiritual, minha vida social e até mesmo minha carreira de inúmeras maneiras insidiosas. Isso realmente desperta em mim um anseio antigo por justiça. É o mesmo tipo de desespero que eu ouvi na voz da mulher do TikTok, o que me fez começar a escrever isso em primeiro lugar. O nome dela é ‘lara’ e a legenda é apenas ‘eu meio que talvez vá à igreja’, caso alguém queira conferir por si mesmo.
De forma discreta ou não, voltar fisicamente a uma igreja não me atrai nem um pouco. É algo diferente. Como o zumbido incessante e subterrâneo da inquietação espiritual de um mundo inteiro. Claro, eu adoraria entender em que é que eu realmente acredito. O que uma alma deseja? Existe realmente um vazio no formato de deus em todos nós? E esse formato é rígido?
Quando eu realmente quero sentir deus, eu vou para um show – um ótimo show, obviamente** – ou olho nos olhos do meu cachorro, à la Richard Rohr. “Você não pode colocar Deus em uma caixa”, certo? Isso não é algo que costumávamos dizer? Se você cresceu da mesma forma, você provavelmente entende facilmente o que eu quero dizer com algo disso ou com tudo isso. É uma cultura muito específica. Uma que se parece e se veste de uma forma, fala de certa forma, escuta de certa forma, é empática de certa forma. Ela pode estimular conexões profundas, esteja a conexão lá ou não, o que é, na maior parte das vezes, enganoso e, na pior parte das vezes, manipulador. Estou me alongando, mas é só que, de novo, o espírito de muitos dos meus amigos foi absolutamente dizimado pela cultura da Igreja. “Nem todas as igrejas”… mas talvez *a maior parte* das igrejas ainda são tecnicamente negócios isentos de impostos com um marketing incrível direcionado exatamente para onde estamos mais vulneráveis. Minha experiência com a igreja cristã não denominacional (e, já que estamos falando sobre isso, com grande parte da indústria de CCM) faz com que Righteous Gemstones pareça mais um documentário do que uma sátira. Um cara que eu conhecia que cresceu zoando músicas de adoração depois começou a escrever alguns grandes hits de adoração! Ele acabou ficando mais rico! Como eu não poderia estar pelo menos um pouco cínica?
Tudo isso para dizer que realmente me questiono sobre o verdadeiro Jesus.**Alguns shows nos quais eu senti deus: quando vi o mewithoutYou no CBGB quando tinha 15 anos e tinha uma linda garota crust punk [subgênero do punk] na pista gritando com as letras francesas de “Bullet to Binary”. A vez que aleatoriamente vimos um set incrível de uma das minhas bandas favoritas, Mew, em uma arena em um festival do outro lado do mundo do qual nem consigo me lembrar porque tudo o que lembro é do som perfeito e de como as luzes batiam na minha cara. A vez que assistimos o Phoenix pela lateral do palco em um festival em Monterrey — minha banda inteira e até mesmo algumas pessoas da nossa equipe dançaram com drinks na mão, sorrindo como verdadeiros fãs, e eu finalmente pude ver o baterista deles de perto. Failure no Exit/In em 2014. A vez no Leeds fest 2012, sentada em uma estrutura de andaime ao lado do palco, com as pernas balançando sobre a noite, quando o The Cure começou a tocar as primeiras notas de “High” e eu senti que ia derreter até o chão. Ou, mais recentemente, a vez que vi as The Linda Lindas tocarem “Racist Sexist Boy” em seu primeiro show como headliners em Nashville.