Hayley Williams é o destaque da edição de dezembro/janeiro da revista Exclaim!, que divulgou hoje uma entrevista exclusiva sobre o álbum Ego Death At A Bachelorette Party; confira a tradução:
“Eu me sinto um pouco como uma mestre de circo, e estou morrendo de vontade de voltar a ser musicista”, me conta Hayley Williams, refletindo sobre a turnê do mais recente álbum de sua banda Paramore, This Is Why, de 2023.
Se você já a viu no palco, essa imagem faz sentido: ela é o ponto focal, o centro de controle do espetáculo ao seu redor, líder de torcida e quarterback estrela combinados em uma só atleta inesgotável. Embora ela explique que essa persona pela qual é conhecida seja autêntica a uma parte dela, Williams lembra também que, naquela fase do ciclo do álbum, tudo que ela realmente queria era estar sentada em círculo com seus amigos tocando música.
“Em algum momento eu provavelmente pensei: ‘Bom, acabaremos fazendo outro disco do Paramore'”, comenta a vocalista e compositora sobre a encruzilhada em que ela e a banda chegaram em dezembro de 2023. Eles finalmente chegaram ao fim de um contrato de 20 anos com a Atlantic Records, sendo Williams a primeira artista da história a ser contratada em um contrato 360 – que toma uma porcentagem não só do streaming e das vendas de discos, mas também de ingressos e merchandising, e que tem sido amplamente criticado como uma prática predatória –, quando tinha 15 anos. (“Um monte de filhos da puta burros que eu deixei ricos”, ela canta em uma de suas novas músicas, Ice in My OJ.)
“Eu não sei se eu poderia ter previsto qual seria o movimento certo”, explica Williams via Zoom, em sua varanda em Nashville, TN, em uma manhã ensolarada no começo de setembro. “Eu me sinto livre, e muito grata por ter chegado ao outro lado desse contrato. O que me surpreendeu foi essa sensação de resistência que eu sentia em relação ao que quer que fosse o fim, e também, simultaneamente, muito luto reprimido e ressentimento e todo tipo de emoção, na verdade, que me fez reavaliar os últimos 20 anos da minha vida de uma forma diferente.”
Ela acrescenta: “Minha escrita ficou muito furiosa, era como uma compulsão, e eu fiquei muito grata por ter um amigo para me ajudar a conter tudo isso, conforme as coisas iam acontecendo”, referindo-se ao produtor Daniel James, com quem ela escreveu e gravou seu terceiro álbum solo indicado ao Grammy, Ego Death At A Bachelorette Party.
A continuação do Petals for Armor (2020) e FLOWERS FOR VASES / descansos (2021) foi enfaticamente não planejada, mas aparentemente inevitável. A princípio, os fãs foram levados a acreditar que “Ego” era simplesmente o nome do novo tom lançado pela linha de produtos capilares Good Dye Young, de Williams, uma versão desbotada do brilho de calêndula ainda evidente contra seu moletom do Joy Division durante nossa chamada no Zoom. Então, 17 novas músicas foram incorporadas ao site da artista, inspirado nos anos 2000. Não havia sequência específica, nem mesmo quando as faixas chegaram aos serviços de streaming logo depois.
“As músicas, do jeito que estavam saindo e o quão improvisado tudo parecia”, ela diz, “parecia que, se eu não falasse sobre isso, se eu não escrevesse sobre isso, as coisas poderiam fermentar; poderiam apodrecer dentro de mim. Então eu acho que simplesmente não sabia como apresentar isso para as pessoas em uma embalagem bonitinha.”
Remetendo à era do MySpace em que cresceu, os fãs de Williams foram então convidados a enviar suas próprias ordens de tracklist para as músicas, lideradas pelo single Mirtazapine, que a artista estreou em uma rádio pública local em meio a cortes de verbas de Trump a instituições de rádio pelo país. (Quando acabou voltando para Nashville após tentar se mudar para Los Angeles pela terceira vez, Williams comprou um conversível da Carvana – cuja perda ela diz ainda lamentar –, e dirigia ouvindo KEXP como uma companhia.)
Após receber contribuições da comunidade sobre a ordem das faixas, ela lançou oficialmente a coleção como um álbum digital no fim de agosto, com uma faixa nova adicional, Parachute. Nunca foi sua intenção segurá-la por mais tempo do que o resto, mas, sendo uma das últimas músicas que ela concluiu, ela acabou soando como “uma peça que faltava no quebra-cabeça”, com a voz robusta de Williams desmoronando de emoção em um dos segundos versos mais impactantes dos últimos tempos. Quando o lançamento físico chegou em 7 de novembro, mais duas faixas (Good Ol’ Days e Showbiz) elevaram o total para 20.
“Tudo estava acontecendo em tempo real. Estávamos literalmente tomando essas decisões, tipo, uma semana antes de elas irem parar na internet”, diz Williams sobre a estratégia de lançamento não convencional, que ela e sua equipe de cerca de dez pessoas montaram no improviso. “A gente ficava rindo, tipo: ‘O rollout está se desenvolvendo sozinho!'”
Ela atribui isso à sua natureza contrária, esse desejo de fazer algo de um jeito que normalmente não é feito. Uma ruptura com o status quo que acabou gerando outra, eu aponto – normalmente, só consigo falar com artistas antes de as massas ouvirem o álbum. Williams já sabe como sua comunidade se sente sobre o Ego Death, e tem sido muito especial testemunhar as reações, especialmente com as pessoas sentindo que fizeram parte da forma final do disco.
“Eu me senti muito compreendida por algumas pessoas, e ser compreendida é, para mim, um sentimento bastante raro no mundo”, ela reflete sobre sua relação “talvez parasocial” com os fãs. “A primeira música que eu escrevi com a banda, ‘Conspiracy’, está já no nosso primeiro álbum [All We Know Is Falling, de 2005], então eu nunca conheci nada diferente disso.” Ela dá de ombros e acrescenta: “Sinto que meu trabalho me coloca numa posição rara de realmente ter momentos em que eu não me sinto sozinha nem um pouco.”
E isso significa tudo para Williams, que resistiu por tanto tempo a lançar qualquer coisa sob seu próprio nome. “Toda vez que eu me preparo para lançar um projeto solo, eu sinto, sabe, como se isso contrariasse tudo pelo que eu sempre lutei”, ela admite. “Sempre tive mentalidade de grupo. Se eu vou ser uma porta-voz, que seja levando essas pessoas em consideração.”
Ela continua: “Vinte anos na indústria não é algo a que a maioria das pessoas sobrevive”, explicando que, ultimamente, tem refletido muito sobre como continuar envelhecendo dentro dela: “aos 36, não estou velha, mas eu comecei tão jovem que me sinto antiga.”
Ela se entusiasma ao falar do que Nick Cave faz com seu site Red Hand Files, respondendo perguntas de fãs e, de modo geral, filosofando sobre a vida. “Eu gosto disso. É uma linha direta, e era isso que me interessava na maneira como ele, como Patti Smith – há tantos outros artistas que eu acho que já sacaram isso.”
Assim como Smith, que faz atualizações regulares em sua newsletter, Williams havia começado a enviar rascunhos de músicas para um Substack privado após a turnê do This Is Why, que eventualmente foi tornado público. Por não conhecer qualquer outro jeito de fazer isso, ela percebeu que isso meio que fazia parte de tudo o que ela faz.
Era de se esperar que alguém com seu nível de fama tivesse mais barreiras, mas ela é incrivelmente aberta e acolhedora, me fazendo perguntas sobre mim sempre que revelo algo pessoal de forma casual durante nossa conversa.
Williams parece encontrar comunidade onde quer que vá. Só nos últimos meses, ela fez participações no palco com nomes como Deftones, Turnstile, David Byrne, Rico Nasty, Bleachers e The Linda Lindas. “Em um dia eu estou no palco com uma banda que eu amo, e no dia seguinte estou tipo: ‘Meu Deus, é assim que o divórcio dos meus pais me afetou pra caralho'”, ela ri sobre a dualidade de sua vida, tendo falado abertamente sobre suas batalhas com a saúde mental durante boa parte da última década.
“A doença mental realmente, eu acho, sufoca nossa capacidade de enxergar além do próprio nariz”, ela explica. É um grande tema em seu trabalho: Mirtazapine é literalmente uma carta de amor ao seu antidepressivo (“Essa porra funciona”, ela vibra), enquanto Kill Me aborda traumas intergeracionais, muito como Apple, de Charli XCX, que a frontwoman do Paramore diz ter achado “muito refrescante”.
“Sempre sinto que, se eu consegui terminar uma música, então ela vale ser lançada no mundo. Se pude dedicar o tempo para finalizá-la, se gosto o bastante dela, então tudo bem se tiver umas coisas constrangedoras ali”, diz a cantora e compositora. “Quer dizer, eu já confrontei as minhas próprias merdas tantas vezes que não resta muito a esconder. Meus padrões estão expostos para todo mundo ver. Não é bonito. Estou realmente tentando aprender, e é assim que eu aprendo.”
Whim confronta a tendência de Williams ao auto boicote, enquanto ela tenta fazer o oposto do zumbido persistente de seus temas de auto ódio (Negative Self Talk). Enquanto isso, Hard expõe seus mecanismos de proteção (“I got married once in combat boots and / Only listened to testosterone music / Had to kill my feminine just to do it”), que ela e eu discutimos como um sintoma de ser filhas mais velhas: “Minha carreira inteira, eu estava tentando proteger a banda: as pessoas da banda, a santidade da banda, o que ela significava. E eu nem conseguia me proteger.”
Apesar disso, ela nunca hesitou em tornar sua posição política conhecida. Um dos destaques do álbum, True Believer, mostra Williams discutindo a corporatização dos locais de culto de sua cidade natal, Franklin, TN, transformados em mega igrejas, bem como os efeitos da gentrificação em seus antigos pontos favoritos de Nashville (“The club with all the hardcore shows / Now just a greyscale Domino’s”). Para toda a corrupção que a música denuncia, ela ainda transmite esperança, uma fé nos valores sulistas inculcados na artista enquanto crescia.
“Acho que estar disposta a falar sobre a desigualdade é simplesmente algo importante a se fazer”, diz Williams com naturalidade. “Não me sinto instruída o suficiente, mas acho que é importante tentar.”
Apesar de professar desgosto pelo termo “autenticidade”, sentir-se responsável por usar sua plataforma simplesmente vem naturalmente: “Quando fazemos coisas que são realmente verdadeiras para quem somos, nossa personalidade, o mundo que queremos ajudar a cultivar – eu meio que acho que as conexões estão lá.”
Da última vez que o Paramore tocou em Toronto, a vocalista vestia uma camiseta “STOP FUCKING THE PLANET”, enquanto a fumaça dos incêndios florestais avançava de Quebec. Naquele momento político, fazer turnê só ficou ainda mais delicado. “Eu não sei se entendemos totalmente o que está acontecendo. É como se fôssemos os sapos na água fervente agora. Ainda não chegamos ao ponto de ebulição, mas acho que todos sabemos que está chegando”, diz Williams. “Não sei como isso vai se manifestar em termos de arte e acesso. Tipo, porra, é melhor a gente fazer turnê agora.”
Na próxima primavera, a cantora e compositora levará o Ego Death pela América do Norte, Reino Unido e Europa em sua primeira turnê solo, quase seis anos depois de ter programado sua estreia ao vivo sob seu próprio nome em 2020. Williams admite rapidamente que está nervosa, mas animada pela chance de “subverter a expectativa do que quer que o Paramore coloque sobre mim”.
Ela também está ansiosa para ver como o clima atual dos shows pode continuar evoluindo em 2026, observando que tem visto jovens “realmente se afastando” do uso excessivo de celulares. “Porque a experiência é assim: você tem esse momento lindo, sagrado, que acontece num teatro ou num clube, sei lá, e aí isso vai para a internet e vira conteúdo”, observa Williams. “Não permanece especial por muito tempo.”
No fim das contas, um projeto como o Ego Death At A Bachelorette Party é seu modo não apenas de se reconectar com sua comunidade e reavaliar sua carreira, mas também de vindicar os sonhos que tinha aos 14 e 15 anos, inspirada pela sensação de ver bandas que amava, como Failure e Blonde Redhead, tocando shows marcados por uma vulnerabilidade visceral e uma espontaneidade onde qualquer coisa pode acontecer – onde a linha entre artista e fã se torna uma superfície reflexiva, e as imperfeições da performance a tornam ainda mais memorável e pura.
“Existe um jeito de estar em shows, que eu vivi muito enquanto crescia, que eu realmente quero sentir de novo”, diz Williams, as palavras pairando no ar como uma faixa no evento que dá nome ao álbum. Ela recomenda que todas as despedidas de solteira incluam as pessoas mais próximas da noiva dizendo o que realmente sentem sobre a pessoa com quem ela vai se casar. “Quer dizer, o divórcio também é algo”, ela ri.
“Isso, para mim, é uma amizade verdadeira, um relacionamento verdadeiro: ser capaz de dizer, ‘Eu posso realmente, de verdade, refletir isso de volta para você? E você vai realmente, de verdade, refletir de volta para mim?'”.
Paramore Brasil
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