Hayley divulgou no dia 1 de agosto, em seu website, um link para seu Substack, uma plataforma em formato de blog na qual a vocalista tem escrito artigos desde o mês de março. Na plataforma, Hayley busca retomar o contato com os fãs, assim como fazia antigamente no LiveJournal da banda – esse é, inclusive, o título de seu blog no Substack.

No dia 30 de junho, ela publicou um artigo sobre técnica vocal e sobre as imperfeições que compõem sua carreira como vocalista; confira a tradução abaixo:

Como cantar e como não cantar

POV: você acabou de me perguntar o que eu tenho na cabeça e agora vai ter que aguentar 15 minutos de memórias e outras merdas

**Demorei semanas para postar isso!**

Recentemente, li uma conversa entre Lorde e Martine Syms que me fez até anotar algumas coisas. Elas abordaram muitos assuntos, deram ótimas recomendações e compartilharam anedotas cheias de percepção. Houve uma parte em especial que realmente ressoou comigo… algo que eu nunca conseguiria colocar em palavras, mas que Ella (Lorde) disse de forma muito sucinta:

“Esse foi outro dos meus grandes princípios: evitar a destreza sempre que possível. Todo mundo é bom em tudo, e eu meio que não me importo. Me mostre como é quando você é ruim. Me mostre como fica quando você erra.”

“Evitar a destreza”, como ela chama, é um modo de estar que moldou toda a minha existência artística. Um modo de ser que, para mim, foi sentido muito antes de ser compreendido. Essa sensação surgiu pela primeira vez quando descobri bandas alternativas e de post-hardcore, depois de me mudar de Meridian, MS, para Nashville, TN. Um pequeno programa de ensino domiciliar me apresentou a alguns novos amigos, que amavam música tanto quanto eu, e esses amigos me apresentaram a gêneros que, na época, eram pouco conhecidos e que mudaram completamente o rumo da minha vida. Eu tinha apenas 13 anos e meu olhar limitado sobre música começou a se ampliar para todo um submundo de gêneros e subgêneros. Essas novas formas de expressão artística priorizavam letras confessionais e paixão sem freios, em vez de técnica vocal e virtuosismo. Essa música soava como um alívio do caramba!

Naquela época, eu mal tinha começado a escrever poesia, principalmente graças a tarefas de escrita das aulas de Inglês e Redação Criativa, e certamente não tinha nenhuma experiência com composição musical. Nunca me passou pela cabeça que eu pudesse participar dessa catarse.

adolescente de 16 anos educada em casa falando sobre tarefas de escrita criativa na MTV

 

Quando criança, eu cresci amando cantores e, mais especificamente, tudo que fosse R&B. T-Boz, do TLC, me ensinou a expandir meu alcance vocal nas notas graves, e Mariah me fez querer alcançar notas cada vez mais altas. Eu adorava New Jack Swing e tudo que fosse da Janet Jackson, e imaginava poder cantar e dançar perfeitamente ao mesmo tempo. Houve uma época em que eu pegava um metrônomo e praticava vocal runs. Naquele tempo, eu achava que minha maior satisfação como cantora viria de conseguir cantar como um dos grandes nomes. Mas, não importava o quanto eu progredisse — nem quantas vezes eu achasse que tinha arrasado cantando uma música da Wendy Moten no banco do carona do carro da minha mãe — aquilo não chegava nem perto de tocar a angústia e a tristeza antiga que giravam dentro do meu corpo adolescente.

Imagine o choque da minha família quando eu passei de cantar Etta James ou Brandy pela casa a ouvir post-hardcore no volume máximo no meu quarto e pedir para ser deixada em pequenos clubes para assistir a shows de bandas que meus pais nunca tinham ouvido falar. Minha mãe encontrou alguns dos meus poemas e me chamou para dizer que estava preocupada, o que ainda me faz rir. Tudo isso aconteceu em questão de meses. Eu me tornei obcecada por procurar letras na internet. Muito antes de o Genius.com existir, o AskJeeves.com era meu amigo, e eu gastava toda tinta preta e folhas de papel que conseguisse, imprimindo toneladas de letras de bandas como Sunny Day Real Estate ou mewithoutYou para colocar em uma pasta, como se fosse para estudar. O vocalista e compositor do mewithoutYou, Aaron Weiss, foi o que mais me inspirou. Ele escrevia poesias cortantes e lindas e depois gritava aquilo de forma muito agressiva por cima dos instrumentais — eu não conseguia me saciar. Comparada à música com a qual eu tinha crescido, essa era tão pouco refinada, e ainda assim, tão imediatamente clara. Seja pela (relativamente) baixa qualidade de uma gravação, por uma voz que falhava ou por um grito fora de tom… havia uma qualidade viva que se tornou um farol para mim. E não é que eu tivesse deixado de apreciar um grande cantor, é que meus gostos estavam se expandindo. Agora, meu estojo de CDs era uma bagunça onde Full Collapse, do Thursday, podia conviver tranquilamente ao lado de Full Moon, da Brandy. Talvez tenha sido a única vez na minha vida em que experimentei crescimento sem dores de crescimento.

(No final do meu primeiro ano em Nashville, entrei para uma banda de garagem com meus amigos amantes de música e começamos a escrever nossas próprias músicas. Foi aí que aprendi a aplicar meu amor por cantar a uma necessidade desesperada de expressar minha vida interior no papel — tecnicamente, no Microsoft Word. Lembro de imprimir alguns dos meus poemas, mas logo decidi que escrever à mão era mais romântico. Então escrevi o que coube em uma página arrancada do meu diário e levei para o ensaio. Mais tarde naquele dia, tínhamos nossa primeira música, “Conspiracy”. Minha própria libertação musical, num porão suburbano.)

Voltando ao ponto: houve pelo menos três momentos na minha carreira que me parecem próximos, senão diretamente ligados, ao conceito de Avoiding Prowess [uma situação em que se tenta evitar demonstrar grande habilidade ou perícia em alguma atividade]. Tenho lembranças nítidas de cada um deles e de seu impacto em mim.

O primeiro aconteceu logo depois que minha banda lançou nosso álbum de estreia. Eu tinha 16 anos. Sentada do lado de fora do depósito onde ensaiávamos quase todos os dias, tive minha primeira entrevista por telefone com um escritor de um site chamado punknews.org — que ainda existe! A voz do outro lado parecia a de qualquer jovem da minha idade que amava música alternativa. Eu não estava nervosa para falar com ele, apesar da pouca experiência que tinha com entrevistas. No entanto, quando ele disse que eu não cantava como nenhuma outra cantora punk, e a implicação soou como algo negativo, lembro que fiquei sem saber como responder. Eu precisava me rebaixar para ser validada por essa cena pela qual eu tinha me apaixonado? O sentimento na minha voz não era verdadeiro porque eu não gritava todas as palavras? Esse foi meu primeiro lampejo de síndrome do impostor: artistas punk legítimos não cantam bem. Que insegurança estranha ter, cantar bem. Eu não sabia como me rebaixar. Para a frustração da minha eu adolescente, eu não nasci para ser uma vocalista hardcore. Mas, por volta dos 19 anos, já havia caos emocional suficiente acumulado no meu corpo pequeno para gritar uma boa parte do nosso terceiro álbum. Finalmente, dentro de mim, não havia mais preocupação com minha saúde vocal ou agilidade como cantora. Zero destreza, zero desejo de impressionar, apenas de expressar. Parecia que eu havia desbloqueado algo, e esse algo era uma caixa de Pandora de devassidão somática. Claro, perdi completamente a voz por quase um mês enquanto fazíamos a turnê desse álbum. Depois de buscar ajuda médica, fui encaminhada a um treinador vocal para me ajudar a canalizar todas aquelas emoções brutas com o que mais? Técnica ~vocal, que eu praticamente tinha rejeitado. Assim começou um trabalho de vida, dançando na corda bamba entre a pura expressão emocional e o desejo de manter meu instrumento em condições de funcionar.

eu e Aaron incrivelmente lindos no Bamboozle 2006, para a Alt Press

 

A segunda situação aconteceu durante uma troca de e-mails com meu já mencionado vocalista favorito, Aaron Weiss, do mewithoutYou. (Vou pular bastante aqui, mas, para resumir, nossas bandas se tornaram bastante próximas após anos tocando em festivais e shows juntos.) Em algum momento no final de 2011, ele me escreveu pedindo para que eu criasse arranjos vocais para duas músicas diferentes que entrariam para o quinto álbum deles, Ten Stories. Fui ao estúdio e dei tudo que eu tinha. Ou tudo que eu achava que tinha. Quando as primeiras gravações voltaram dele e da banda, o consenso foi… misto?! Horrível! O ponto central do e-mail dizia: “…o posicionamento e a melodia estão perfeitos, mas talvez você esteja cantando um pouco bem demais para nós…”. Meio lisonjeada, meio insegura, li o e-mail novamente, desta vez com mais calma. Aparentemente, eles tinham dado notas parecidas para outra cantora convidada, que por acaso era uma cantora de ópera clássica — falando em destreza (!!!). Havia uma observação específica sobre cantar de forma mais “pedestre” — mais alinhada com o vocal principal deles, que Aaron próprio chamou de “consideravelmente não sofisticado”. Milagrosamente (e antes do que eu esperava), o que precisava se encaixar se encaixou e, de repente, eu entendi algo. Eu já estava bem avançada na minha carreira e minha voz tinha uma reputação própria, para o bem e para o mal… Eu havia assumido errado que o pessoal do mewithoutYou queria apenas que eu fizesse *aquela coisa* na música deles, quando, na verdade, o sentimento que eles realmente buscavam era o mesmo tipo de sentimento que me fez me apaixonar pela música deles desde o começo. Nenhum deles precisava que eu os impressionasse, nem que eu me rebaixasse. Eu só precisava sentir o caráter coletivo e perceber qual personagem ele despertava em mim. Eu aterrissei em algo novo, familiar e estranho ao mesmo tempo. Esse não era um momento vocal de convidada brilhante e impressionante, mas sim um que refletia melhor um lado meu que eu suponho que ninguém sabia que poderia ter valor. Minha breve interpretação na música deles “All Circles” talvez seja a minha participação favorita que já fiz. Se você ouvir, acho que soa como eu, mas não é o “eu” que a maioria das pessoas imagina quando pensa na minha voz. É, na verdade, mais próximo de casa. Por meio do pedido gentil do meu vocalista favorito por muito menos destreza, recebi uma lição sobre integrar diferentes partes do eu. Algumas partes de nós são só nervos, sensíveis e muito presentes. Outras partes são músculo, habilidosas e ágeis. Todas as partes são forças viáveis e se prestam a infinitas paisagens criativas. Às vezes, não importa a habilidade ou técnica que você tenha adquirido, você precisa esquecer o que sabe (ou do que é capaz) e simplesmente sentir. Essa experiência reprogramou meu cérebro criativo.

Por último, alguns meses atrás eu estava no meu estúdio improvisado em casa com Moses Sumney, gravando minhas partes para a nossa música “I Like It I Like It”. Multi-instrumentista, compositor, produtor, vocalista absolutamente incrível e uma das pessoas mais bonitas que você já viu na vida — Moses é um talento supremo e eu sou fã há muito tempo. Nem preciso dizer que estava bem nervosa para a nossa sessão. “Pela primeira vez na minha carreira”, pensei, “estou cantando com o tipo de cantor que me fez me apaixonar pelo canto desde o início”. Enquanto gravávamos minha voz principal, adorei receber as orientações dele e confiei plenamente no seu gosto e instinto. Havia um fluxo acontecendo, onde eu me sentia capaz de transitar fluidamente entre floreios técnicos e emocionais… mas isso só durante as partes líricas. Esses versos respiravam de verdade, com grandes espaços entre cada linha, e nesses espaços, Moses queria que eu improvisasse runs soul e outros sons. Cada revelação criativa piscava diante dos meus olhos como um filme em câmera rápida. Em um único momento, todas as inseguranças que eu já tive sobre meu canto — seja por ser muito metódica, muito apaixonada, muito forçada, etc. — vieram à tona. E não havia onde me esconder! Eu estava sentada bem ao lado de alguém que eu admirava há anos por sua capacidade de colorir fora das linhas com a voz, de um jeito que parecia que as linhas nunca existiram. Enquanto eu tentava vários runs e improvisações, sem gostar muito do que saía de mim, Moses continuava me encorajando e não parecia nada abalado. Ele me apontava de volta para mim mesma, enquanto me guiava pelos meus pequenos tropeços e erros, como quando disse algo como: “Legal, então você sabe cantar. E daí? O que você está dizendo?” E percebi que, vindo dele, esse sentimento foi o momento mais completo da minha trajetória. Mais uma vez, era tão simples. Eu gostaria de não precisar ser lembrada dessa lição em particular. Que uma vez aprendida, ela ficasse enraizada em algum lugar do corpo — um dente do siso que você nunca precisa perder. Agora, do outro lado da minha carreira, um dos cantores mais talentosos tecnicamente que eu conhecia dançava comigo ao redor do conceito de Avoiding Prowess. Ali, eu precisava confiar numa inteligência interna que venho aperfeiçoando há anos, para saber onde mergulhar e como. Então, ali, com Moses ao meu lado no meu sofá rosa, resolvi mais uma vez apenas fazer barulho com meus sentimentos, prestando atenção cuidadosa aos personagens já presentes na música. Com um ouvido ligado e o outro de fora dos meus fones, no espaço final no fim do verso 2, saiu um grito gutural que me surpreendeu. Então, justo quando comecei a me acostumar com a sensação de estar suspensa no ar, senti o som na minha garganta deslizar meio desajeitadamente. Eu ia dizer “Caramba, ok, agora deixa eu tentar de verdade!”, mas antes de terminar a frase, olhei para cima e encontrei Moses sorrindo para mim, de boca aberta. Será que esse foi o exato momento em que toda epifania musical se cristalizaria na sabedoria relaxada e natural que eu pareço projetar em todos os outros artistas, como se eles nunca tivessem questionado nada sobre si mesmos ou seu processo? Provavelmente não. Mas, ah, como aquilo curou algo jovem dentro de mim. Tantos ciclos completos naquele dia. Estou tão orgulhosa do nosso dueto. Na noite antes do lançamento da música, mandei uma mensagem para agradecê-lo: “Essa música é tudo que eu sempre quis cantar quando era criança e ouvi pela primeira vez duas divas cantando juntas na trilha sonora de O Príncipe do Egito”. Quando a imprensa publicou sobre a música, disseram que era a primeira colaboração de R&B da minha carreira. Sorri, sabendo que minha eu de 11 ou 12 anos ficaria extasiada com a voz do Moses e provavelmente nem acreditaria que aquela é a própria voz adulta dela, carregando todas as experiências que a levaram a um lugar que parece ser realmente seu.

Moses encontrando sua luz no ambiente rosa do estúdio

Sei que estou tomando muitas liberdades com as palavras da Lorde/Ella, mas, mesmo assim, elas soam verdadeiras lá no fundo dos meus pequenos ossos artísticos, porque a melhor arte sempre foi feita sem medo e sem pretensão. Não importa o gênero ou sentimento que eu já tenha canalizado, evitar minha própria “destreza” nunca foi tanto um princípio artístico, mas uma forma mais rápida de me levar ao ponto. Instinto puro, paixão e a disposição de se envergonhar pela própria sinceridade é a alquimia suprema da arte.

Ella continua: “Confie que eles sabem que você é inteligente e que você sabe fazer as coisas, e que trabalhar nessas formas mais simples, espontâneas ou ingênuas vai resultar em algo interessante.”

Depois de ver a banda tocar pela primeira vez (talvez em 2003?), meu avô brincou que essa nova música que eu estava fazendo não mostrava tudo que eu podia fazer com a minha voz. Ele conhecia a pequena eu e meus sonhos de cantora de R&B, e acreditava que eu tinha o que era preciso para ir tão longe com minha voz quanto eu quisesse. O que eu não conseguia explicar na época era como bastou escrever algumas músicas com meus amigos e cantá-las alto num sistema de som portátil ruim para entender algo: mesmo que fosse possível ser “a melhor” cantora do mundo inteiro, isso para mim jamais seria suficiente. Meu novo norte era seguir um sentimento tempo o bastante para tirá-lo do peito, fosse o som que ele gerasse impressionante ou não. Esses instintos adolescentes me deram uma vida criativa diversa que mantém minha curiosidade viva, e talvez seja por isso que ainda posso fazer o que amo fazer. Estar tão longe na minha vida musical e ainda me sentir desafiada e inspirada… você realmente tem que confiar que as pessoas certas e o som certo vão te encontrar onde quer que você esteja.

Ah, e se você me encontrou aqui, obrigada.

Paramore Brasil
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